Sonegação no setor de combustíveis ameaça a economia formal e fortalece o crime organizado
Fonte: O Estadão
O mercado ilegal de combustíveis movimenta cifras bilionárias e tornou-se uma
das principais fontes de financiamento do crime organizado.
Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra
que, em 2022, facções criminosas faturaram mais de R$ 61 bilhões com a venda
irregular de combustíveis e lubrificantes — quase quatro vezes o tráfico de
cocaína.
O dado integra o relatório “Follow the products — Rastreamento de produtos
e enfrentamento ao crime organizado no Brasil”, divulgado em 2025. Segundo
o estudo, o volume de combustível ilegal seria suficiente para abastecer toda a
frota nacional por três semanas, considerando um tanque médio de 50 litros
por veículo.
Por trás desses números há uma engrenagem sofisticada de sonegação,
inadimplência premeditada, reiterada e deliberada e adulterações que drena
recursos públicos, distorce a concorrência e fortalece o poder econômico das
facções criminosas.
O crime dentro do mercado legal
De acordo com Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do FBSP e professor
da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas (FGV Eaesp), o avanço do crime sobre mercados formais é um
movimento calculado.
“O crime organizado usa setores legais, como o de combustíveis, para lavar o
dinheiro obtido em atividades ilícitas — especialmente o proveniente do tráfico
de drogas, do roubo de cargas e de outros crimes”, explica.
Essa operação ocorre nas brechas regulatórias e fiscais do Estado. “Setores
como fintechs, apostas online, criptoativos e o próprio comércio de
combustíveis e bebidas tornam-se canais de lavagem de dinheiro e geração de
novas receitas.”
Lima destaca que o crime organizado já não vive apenas da venda de drogas.
“Hoje, ele lucra também com o próprio processo de lavagem, transformando
fraudes fiscais, sonegação e adulteração de produtos em parte essencial de seu
modelo de negócio.”
Por isso, defende, o combate à fraude fiscal é também uma estratégia de
segurança pública, pois corta o fluxo financeiro que alimenta o crime.
Esses recursos poderiam financiar políticas públicas fundamentais. O
crime fiscal organizado drena a capacidade do Estado e destrói a
concorrência leal
Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal
O devedor contumaz e o rombo bilionário
Entre os principais responsáveis por manter esse sistema está o devedor
contumaz — empresas ou indivíduos que adotam a inadimplência deliberada
como modelo de negócio.
“Não se trata de quem passa por uma crise pontual, mas de quem constrói sua
operação sobre a fraude fiscal. Esse comportamento financia o crime
organizado e sufoca quem atua dentro da lei”, explica Emerson Kapaz,
presidente do Instituto Combustível Legal (ICL).
A dívida ativa federal e estadual acumulada por devedores contumazes já
ultrapassa R$ 207 bilhões. São dívidas provenientes e concentradas em poucas
empresas verticalizadas, que embolsam recursos que deveriam ser usados para
investimentos públicos essenciais e ainda desestimulam novos investimentos no
Estado por parte de empresas e empresários que atuam dentro da legalidade.
No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, uma única refinaria responde por 25%
do total dessa dívida acumulada.
Carbono Oculto destravou PLP 125
O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), da Frente Parlamentar de
Energia Renovável, destaca a importância do Projeto de Lei Complementar
(PLP) do Devedor Contumaz, aprovado no Senado e prestes a ser votado na
Câmara.
“Quando se caracteriza um grupo econômico que usa diferentes empresas
apenas para burlar o fisco e prejudicar o contribuinte, esse grupo deve ser
identificado e responsabilizado”, afirma.
O projeto cria mecanismos para impedir que reincidentes continuem atuando
sob novas razões sociais. “Empresas que reincidem em fraudes e já têm multas
aplicadas pela Receita ficam impedidas de abrir novas companhias.”
Ele cita a Operação Carbono Oculto, em São Paulo. “Só o fato de ter sido
deflagrada já resultou em um acréscimo de arrecadação de R$ 12 milhões a R$
15 milhões por dia, o que representa mais de R$ 3 bilhões ao ano. É apenas a
ponta do iceberg de um esquema que corrói as finanças públicas e afeta
diretamente o consumidor.”
Vitória recente
· A monofasia da nafta
A aprovação da monofasia da nafta — que concentra a cobrança de impostos
no início da cadeia — eliminou uma brecha usada por organizações criminosas
para desviar até R$ 3,5 bilhões por ano. O esquema era explorado inclusive por
facções como o PCC para lavar recursos ilícitos.
· Uma agenda em defesa do país
O enfrentamento ao crime organizado passa, necessariamente, pelo bloqueio
de suas fontes de financiamento.
Ao unir poder público, setor privado e instituições de controle em torno de
uma mesma causa, o ICL reforça que combater a sonegação e a inadimplência
deliberada é também proteger a economia e o consumidor.
“Estamos falando de bilhões de reais desviados de áreas essenciais como saúde,
educação, saneamento e segurança pública. É por isso que o combate à
sonegação e à adulteração no setor de combustíveis é, também, uma pauta de
segurança nacional”, afirma Emerson Kapaz.
Fraudes que movem bilhões
· R$ 61 bilhões faturados por facções criminosas com a venda irregular de
combustíveis em 2022.
· R$ 14 bilhões em sonegação e inadimplência, segundo a FGV —
chegando a R$ 30 bilhões com fraudes operacionais.
· R$ 207 bilhões em dívidas de devedores contumazes, que fazem da
inadimplência um modelo de negócio.